"Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo. Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação. Porque a Escritura diz: Todo aquele que nele crer não será confundido." (Rom 10:9-11).
Todavia, para o bem ou para o mal, o mesmo episódio deu ocasião para que patetas e sectários protestantes saíssem de suas tocas, míopes como toupeiras e insensíveis como brontossauros, pondo-se a elocubrar sobre a legitimidade da fé do sacerdote assassinado, por ele ser ... católico (!).
Embora seja lamentável que os herdeiros do protestantismo ostentem um tão ridículo desapreço pelo teologia reformada histórica [2] e tão raso interesse pelas nuances da teologia católico-romana (a qual deveriam conhecer antes de golpear), isso levanta a questão sobre o que significa ser cristão e, consequentemente, o que é necessário para ser salvo.
Ora, o impulso dessa questão jaz na percepção que se pode formar a partir da pluralidade de "modelos" teológicos pelos quais a fé cristã é passível de ser apreendida. Em tempo, essa pluralidade, antes de transparecer qualquer defeito na Sagrada Escritura, ineficiência da parte de Deus em iluminar o conhecimento dos seus santos ou relativismo nas categorias de verdade impressas no homem, resulta da própria limitação humana e de sua depravação. Desse modo, é a pluralidade de sistemas teológicos que enseja a existência dessa questão.
Por outro lado, se há uma apresentação plural da doutrina cristã, isso não significa que todas elas sejam verdadeiras e que representem com a mesma exatidão as verdades contidas na Escritura, mas significa que deve existir um conjunto mínimo de crenças básicas a serem afirmadas para que um modelo de projeção dos ensinos bíblicos seja considerado legitimamente cristão, a despeito de seus erros e imprecisões nos pontos tangenciais.
De fato, a coleção de uma regra de fé elementar, que sintetiza as doutrinas principais da Bíblia e que todos os cristãos devem subscrever, existe e é chamado Credo Apostólico [3]. Ninguém que se diz cristão pode negar ou lançar dúvida sobre quaisquer ensinos do Credo Apostólico, e ninguém que lançar pode ser considerado cristão. A partir das doutrinas rudimentares do Credo os diversos ensinos do cristianismo podem ganhar contornos mais ou menos díspares e refinados, entretanto, todos eles devem partir do Credo como a primeira apresentação formal do kerigma. E isso só é assim porque o Credo tão somente organiza aquelas verdades bíblicas mais claras, abundantes e livres de interpretações dúbias contidas na Estrutura. O Credo expõe os assentamentos da fé.
Os católicos creem no Credo Apostólico. Os arminianos creem no Credo Apostólico. Os luteranos creem no Credo Apostólico. Os ortodoxos orientais creem no Credo Apostólico. Todos esses sistemas estão certos? É claro que não. E, como reformado, creio, respeitando os direitos alheios, que nenhum deles, isoladamente e em suas apresentações historicamente consolidadas, estrutura com perfeição as informações da Bíblia. Porém, todos esses sistemas, embora equivocados em muitos pontos, e às vezes terrivelmente equivocados, podem realmente ser chamados de cristianismo. Eles subscrevem o kerigma!
Se há, portanto, um critério teológico pelo qual seja possível distinguir o erro da heresia, esse critério é o conjunto central de doutrinas cristãs, resumidas no Credo. O Catecismo de Heidelberg, em sua pergunta 22, indaga:
“Em que um cristão deve crer?”.
A resposta oferecida é:
“Em tudo o que nos é prometido no Evangelho. O Credo dos Apóstolos, resumo de nossa fé cristã, universal e indubitável, nos ensina isso”.
O Catecismo de Heildelberg é um documento reformado, diga-se de passagem.
Logo, em termos de profissão de fé, esse é o significado de ser cristão. As próprias pregações evangelísticas na Escritura elencam apenas o conjunto mais básico de informações da revelação de Deus e, com efeito, aqueles que verdadeiramente receberam essas informações e nelas depositaram fé pela poderosa atuação do Espírito Santo, eram irmãos na fé. Eles sabiam muito pouco sobre a união hipostática, sobre ordo salutis ou sobre pressuposicionalismo. Mesmo assim, eram chamados de cristãos.
Quando não se é capaz de discenir o cristianismo em sua dimensão mais ratificada, em seu discurso mais kerigmático, inevitavelmente se assume o compromisso com uma outra religião, antibíblica e gnóstica, que entrevê uma lamentável falta de conhecimento da doutrina cristã e uma deprimente percepção da graça salvadora.
Notas e referências
1. Padre é degolado enquanto rezava missa na França, 2016. Disponível em: <https://padrepauloricardo.org/blog/padre-e-degolado-enquanto-rezava-missa-na-franca>. Acesso em: 29 de jul. 2016.
2. Que, mesmo discordando dos católicos em muitíssimos pontos, nunca os desconsiderou como irmãos na fé.
3. Credo dos Apóstolos. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/credos/credoapostolico.htm>. Acesso em: 29 de jul. 2016.