Uma interseção entre epistemologia e metafísica: conhecimento e realidade
20:15O conhecimento, em sua melhor definição, abrange os conceitos de fé (crença), de verdade e de justificativa, como mostrarei em texto futuro. Isso vale para todo o conhecimento, em qualquer área. Quando falamos sobre epistemologia (teoria do conhecimento), logo, o conceito de verdade está embutido. Por exemplo, se eu digo que tenho uma nota de R$ 10,00 em minha carteira, eu estou dizendo que conheço o fato de ter uma nota de R$ 10,00 em minha carteira. Ao mesmo tempo, eu estou dizendo que é verdade o fato de que tenho uma nota de R$ 10,00 em minha carteira (supondo que eu esteja sendo sincero e não queira enganar ninguém, e supondo que esta afirmação corresponda à realidade: de fato, há uma nota de R$ 10,00 em minha carteira). Neste ponto, temos um vislumbre de como se parece a intersecção entre as disciplinas da epistemologia e da metafísica. A epistemologia trata do conhecimento e a metafísica trata da realidade ou do que é real. De modo rude, a pergunta norteadora da primeira é: "Como conhecemos?", e a da segunda é: "O que é realidade?".
Então, é evidente que ambas as disciplinas, como não poderia deixar de ser, subsistem de forma interdependente. Contudo, podemos notar, nas áreas da filosofia, uma multiplicidade de teorias que se propõem a abordar o tema da verdade. Estranhamente, este tópico deixou de ser propriedade exclusiva da metafísica. Existem, assim, as teorias deflacionárias, as teorias epistêmicas e as teorias metafísicas.
As teorias deflacionárias asseveram que a verdade não é uma propriedade de uma proposição ou afirmação [1]; antes, verbalizar a veracidade de uma proposição é assentir à veracidade de sua elocução ou é instrumento para coerção do interlocutor. Por sua vez, as teorias epistêmicas defendem que a verdade é a propriedade de uma proposição ter sua assertibilidade garantida. E, por fim, as teorias metafísicas postulam que a verdade é a propriedade de uma proposição ter perfeita correspondência para com a realidade. Meu propósito será levantar um caso em favor da metafísica como única disciplina portadora dos direitos sobre a teoria da verdade e, evidentemente, justificarei a importância do assunto.
As teorias deflacionárias asseveram que a verdade não é uma propriedade de uma proposição ou afirmação [1]; antes, verbalizar a veracidade de uma proposição é assentir à veracidade de sua elocução ou é instrumento para coerção do interlocutor. Por sua vez, as teorias epistêmicas defendem que a verdade é a propriedade de uma proposição ter sua assertibilidade garantida. E, por fim, as teorias metafísicas postulam que a verdade é a propriedade de uma proposição ter perfeita correspondência para com a realidade. Meu propósito será levantar um caso em favor da metafísica como única disciplina portadora dos direitos sobre a teoria da verdade e, evidentemente, justificarei a importância do assunto.
Como foi dito, as teorias deflacionárias da verdade defendem que o acréscimo da sentença "é verdade" a uma proposição não aponta para uma relação de correspondência para com a realidade; apenas afirma a veracidade do pronunciamento de determinada asserção. Em outras palavras, essas teorias, ao postularem a veracidade de uma proposição, intentam somente um endosso para com o fato de que a proposição foi verbalizada. É como se, ao dizer: "Tenho uma nota de R$ 10,00 em minha carteira", eu não tivesse em mente a existência de tal nota em minha carteira, mas tivesse em mente a verdade de que eu, com efeito, afirmei ter uma nota de R$10,00. Ademais, outras teorias deflacionárias julgam a inserção de "é verdade" a determinada proposição como ferramenta de poder coercitivo. Segundo estas visões, se alguém afirma que determinada proposição é verdadeira, essa pessoa não pretende relacionar o que está dizendo à natureza dos fatos, antes, intenta coagir seu interlocutor a acreditar no que foi dito, ainda que não haja relação para com a realidade.
Essas teorias de verdade, entretanto, falham no ponto mais substancial que pretendem administrar: propondo-se como teorias da verdade, ao invés de abordarem a essência da verdade, endereçam seu emprego semântico. Elas deixam de lado justamente o que se propuseram fazer. DeWeese e Moreland denunciam muito bem essa falha essencial das teorias deflacionárias. Eles dizem: "[…] a suposta análise lógica das afirmações que contém 'é verdadeira' não faz aquilo que alega fazer: ela não analisa o significado de 'é verdadeira', mas analisa somente o uso da frase. […] uma teoria da verdade deve, primeiro, apresentar um esclarecimento sobre o próprio conceito, ou seja, sobre aquilo que queremos dizer quando usamos 'é verdadeira', e não somente como usamos o conceito" [2].
Não obstante, as outras teorias deflacionárias, que destacam o uso coercitivo da sentença "é verdade", são, outrossim, débeis. Elas partem de uma inferência indutiva (que é falaciosa por natureza) para sublinhar que sempre que alguém afirma a veracidade de uma sentença, essa pessoa intenciona coagir intelectualmente seu ouvinte. Em outras palavras, elas creem que cada ser humano da face da terra, em todos os seus séculos e milênios de existência, usam e usaram a sentença "é verdade" como instrumento de poder. Ora, se esta suposta verdade não pode ser verificada, então ela é tola e deve ser descartada. Além disso, vou ignorar momentaneamente que, se as coisas são de fato assim, então a própria afirmação de tais teorias deflacionárias deve ser considerada uma manipulação semântica, devendo, portanto, ser rechaçada.
Prosseguindo, vimos também que existem teorias epistêmicas da verdade. Elas, ao contrário das teorias deflacionárias, ensinam que a verdade é sim uma propriedade de uma proposição, contudo, essa propriedade não é de relação para com a realidade, mas do conjunto de razões que se tem para promulgar a veracidade do que foi afirmado. Elas relacionam a veracidade à assertibilidade da proposição. Para ilustrar, retomo o exemplo da nota na carteira. Suponha que eu afirme, com toda a certeza e honestidade, que há uma nota de R$ 10,00 em minha carteira, afinal, minha esposa disse que colocaria uma nota de R$ 10,00 em minha carteira como troco de compras que ela fez no supermercado. Além disso, nesta manhã, ao me dirigir à cozinha, eu observei de relance minha esposa mexendo em minha carteira. E, uma vez que confio em minha esposa e sei que ela não mente, posso afirmar, com toda a certeza, que há uma nota de R$ 10,00 em minha carteira. Porém, eis que abro minha carteira e não vejo nota alguma nela. Isto se deve a alguma falha de caráter em minha esposa? Será que eu tive a ilusão de que ela estava mexendo em minha carteira nesta manhã? Nenhuma das duas opções. Ocorre que minha esposa simplesmente se esqueceu de colocar aquela nota em minha carteira, e ela mexeu em minha carteira nesta manhã para tomar nota de meu RG, por alguma razão.
É fácil, portanto, constatarmos a falha das teorias epistêmicas da verdade. Elas relacionam a veracidade de uma proposição à sua assertibilidade ou ao conjunto de fatores que nos permitem deduzir sua factualidade, ignorando, contudo, que nossa convicção sobre a realidade dos fatos, não importa o quão firmemente esteja fixada, pode não corresponder a eles. Não importa o quão sofisticados possam ser os critérios que elejamos para a afirmação de uma assertibilidade garantida, eles não são capazes de garantir veracidade a não ser que seu foco seja desviado da assertibilidade para a realidade. Isto nos leva, então, às teorias metafísicas da verdade.
Conforme pontuei, as teorias metafísicas da verdade se distinguem das teorias deflacionárias porque nelas, a verdade é uma propriedade de uma proposição. Ademais, elas se distinguem das teorias epistêmicas pois, para elas, a propriedade da verdade opera em correspondência para com a realidade. Portanto, somente as teorias metafísicas da verdade podem ser consideradas corretas e fazem jus ao que se propõem, visto que elas refletem o ensino bíblico sobre a verdade. Jesus Cristo disse ser A VERDADE (Jo 14.6). Isto é ontologia pura! Se Jesus Cristo é a verdade, então a verdade (I) não está em nós mesmos, não sendo um produto da nossa mente e existindo à parte dela, (II) é absoluta, pois não encontra-se relativa a cada ser humano ou coisa, e (III) é objetiva, pois quer eu esteja convicto acerca dela, quer não, sua natureza não muda e ela continua existindo. Destarte, afirmar uma explicação sobre a verdade que se pareça com a teoria metafísica, não somente é adequado como é exclusivamente adequado. Elas ensinam uma doutrina da verdade que ecoa o ensino bíblico ao mesmo tempo em que possibilitam o uso correto das proposições.
Recapitulando brevemente, uma teoria correta acerca do que é real e verdadeiro é de fundamental relevância para a epistemologia. Como disse, subjaz ao conhecimento o conceito de realidade pois, para conhecermos algo, é necessário que este algo seja real ou verdadeiro. Do contrário, não poderemos arrogar conhecimento sobre tal objeto. Eu não posso conhecer "srghtawwwwskh", por exemplo. Esta palavra não existe, nem mesmo como uma abstração extralinguística, e não representa absolutamente nada. Se "srghtawwwwskh" não existe, não é real, então não posso conhecer "srghtawwwwskh". Sendo assim, definir o que é real ou verdadeiro é essencial para a afirmação de uma epistemologia correta. Esta, por sua vez, é essencial para um conhecimento correto. Simultaneamente, vimos que não podem existir diferentes teorias sobre a verdade sendo, todas elas, igualmente válidas. Isso vai contra o próprio uso do termo "verdade" segundo se encontra mais profundamente implantado na natureza humana. Sem esta informação implantada na natureza o homem, nenhum conhecimento seria possível.
Você quer conhecer algo verdadeiramente? Quer ter um conhecimento real sobre teologia, mecânica de aeronaves ou história das civilizações? Então adote uma epistemologia correta [3], em cuja composição encontra-se uma correta teoria da verdade, e esta, necessariamente, funcionando em termos de correspondência para com a realidade.
Notas
———————————————
1. Deixarei as distinções técnicas entre proposição e afirmação de lado neste artigo e empregarei os termos um pelo outro.
2. DEWEESE, Garret J.; MORELAND, J. P. Filosofia concisa: uma introdução aos principais temas filosóficos. São Paulo: Vida Nova, 2011. p. 61.
3. Sobre epistemologia, leia também o artigo A rejeição da Escritura como fundamento epistemológico e a resultante confusão de termos.
0 comentários