Quero Misericórdia, Não Sacrifícios!

17:04

A perícope de Mateus 12.1-8 é uma entre tantas do Novo Testamento que apontam para duas verdades incontestes sobre Deus e sobre o relacionamento com o Senhor: a verdade de que uma espiritualidade autêntica é qualificada pelo amor a Deus (que se estende ao amor à Sua lei e à verdade) e ao próximo, e a de que o cumprimento exterior de regras religiosas pode aparentar piedade aos olhos do homem, mas o mero cumprimento dessas regras, sem o motriz de uma natureza regenerada, afasta a pessoa de Deus e a coloca em estado de condenação (Cl 3.16).

Na referida passagem os fariseus, grupo judaico que compunha a "nata" religiosa na Palestina do primeiro século (que já era religiosa o bastante), vendo os discípulos de Jesus colherem espigas no sábado a fim de matarem sua fome, os acusaram de transgredir o quarto mandamento (o da guarda desse dia da semana). Jesus, em defesa de seus discípulos, argumentou sobre dois fatos históricos que traziam, em si, poderosas lições.

Primeiramente, Jesus lembrou os fariseus de que Davi, em certa ocasião, comeu, juntamente com seus companheiros, os pães da proposição, que deveriam ser comidos exclusivamente pelos sacerdotes do templo, segundo a lei. Este fato está registado em 1Sm 21.1-6.

Depois, Jesus lembrou seus interlocutores ávidos por sangue de que, a despeito do quarto mandamento mosaico, os sacerdotes que trabalhavam no sábado em seus ofícios não deveriam ser considerados infratores.

A lição que subjaz a essa argumentação de Jesus com os fariseus não é outra senão a de que Ele, o Cristo, como autor da lei e conteúdo metafísico dela, é o único que tem autoridade, poder e direito de estipular o significado de seus mandamentos, bem como de estabelecer suas corretas aplicações. Afinal, Deus é o autor da lei, não o homem. Deus a fez (ou melhor, a codificou) e outorgou-a à criatura, e não a criatura que gerou uma lei e a apresentou ao Criador. A declaração de Jesus no verso 8 resume tudo: "Porque o Filho do Homem é Senhor do sábado".

Desse modo, os fariseus da perícope em questão cometeram 2 erros graves:

1. Determinaram, com suas próprias regras e protocolos legais, o que era certo e o que era errado (v. 2) e, com isso, criaram uma religião à parte da religião verdadeira. É óbvio que, ao fazerem isso, os fariseus condenaram a si mesmos, pois rejeitaram a providência promovida por Deus para o contato e amizade consigo.

2. Expuseram o fato de que sua religiosidade era exterior, efêmera, superficial, legalista e falsa, pois Jesus aplicou a eles o que Deus tinha dito ao seu povo em Os 6.6, uma vez que aparentavam piedade mediante o cumprimento exterior de - alguns - mandamentos da Lei, mas não haviam sido regenerados de modo que o cumprimento dessas ordenanças fosse um eco, uma consequência de seu amor a Deus e ao próximo. Para todos os efeitos, os fariseus amavam mais a si mesmos do que a Deus, ao estipularem a própria religião (com mandamentos forjados) e ao rejeitarem ao Senhor.

Bottom line, Jesus, ao dizer que é Senhor do sábado (v. 8), mostra-se como verdadeiro Deus, o mesmo Deus que outorgou a Lei da qual o sábado é apenas uma parte; e prova que, como verdadeiro Deus, Ele é quem tem o poder e o direito de estipular o significado de seus mandamentos e estabelecer suas corretas aplicações (em contraste aos fariseus, que modificavam a Lei de Deus criando novos mandametos e aplicações diferentes para mandamentos existentes).

Portanto, Mateus 12.1-8, de fato, é translúcida ao evidenciar importantes verdades escriturísticas. Já escrevi sobre o tema em artigo anterior, assim, não há nenhuma novidade nesta lição. Porém, somos chamados a refletir constantemente nas velhas verdades do evangelho, razão pela qual insisto nos pontos cardeais de que (I) o homem, para cumprir a Lei de Deus - ainda que de modo imperfeito e incompleto - precisa ser regenerado. A ordo salutis reformada é, por essa causa, enfática na assertiva de que a regeneração antecede qualquer movimento do Espírito na obra subjetiva da salvação. E (II) a verdadeira espiritualidade, caracterizada e, mais ainda, produzida pela operação regenerativa do Espírito Santo, não se estaca no cumprimento de regras. Antes, se estende no amor a Deus e ao próximo.

Amemos, pois, a Deus, ao próximo, e cuidemos para que nenhuma regra seja criada ou reinterpretada por nós com função reconciliadora. Sobretudo, lembremo-nos de que o cumprimento exterior de regras ou ordenanças não opera a salvação; a piedade externa mantém-se dessa forma: externa. Por fim, mantenhamos em perspectiva a realidade do amor relativo ao evangelho. Sua relevância é eterna.

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